terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Ironia do Destino



Rogério, 21 anos, trabalhava em um banco na Rua 15 de Novembro. Sofia, 19 anos, em um escritório bem na esquina da Rua 15 com a Rua Direita. Eles sempre almoçavam no mesmo restaurante. Ele sempre sozinho sentava-se no mesmo lugar. Ela sempre com as três amigas, eram inseparáveis, também tinham uma mesa preferida, de frente para a mesa dele. Ambos eram órfãos de pai e mãe. Tanto ele como ela trabalhavam há dois anos nas empresas pegavam o mesmo ônibus, e às vezes sentavam lado a lado. Moravam no mesmo bairro, na mesma rua, apenas um ponto de diferença. Sempre apressados para não chegarem atrasados em seus respectivos empregos, nunca repararam um no outro, até que um dia, na ida para o trabalho uma freada brusca do ônibus fez escapar das mãos de Sofia uma pasta cheia de serviços. Ao se abaixar para pegar a pasta bateu cabeça com Rogério, que também se abaixava para pegar a pasta, num gesto de gentileza. Com sorrisos simultâneos desculparam-se ao mesmo tempo, outro sorriso simultâneo e se entre olharam. Ela sentiu uma sensação estranha, suas pernas bambearam, seu coração disparou, nunca havia sentido algo igual. Ficou sem fala. Ele pediu desculpas pelo bater de cabeças e entregou a pasta à garota tocando levemente em sua mão. Nunca havia sentido um perfume tão suave. Por mais rápido que tinha sido o toque em sua mão deu para sentir o quão macia era sua pele. Foi amor à primeira vista. Depois deste dia nunca mais seria a mesma coisa, tudo mudaria em suas vidas.
Toda vez que se encontravam no ônibus cumprimentavam-se. Sentavam-se juntos e conversavam o trajeto todo. Passaram a almoçar juntos e ele a levá-la até a porta de sua casa. Foi quando surgiu o primeiro beijo. Apaixonaram-se e se amaram. Viveram um amor intenso e cheio de aventuras. Passaram a dividir tudo, alegrias e tristezas, vitórias e derrotas. Gostavam das mesmas músicas, dos mesmos filmes. Foram feitos um para o outro, decidiram se casar. Tornaram-se bem sucedidos profissionalmente. Ele deu para ela a casa dos seus sonhos em um bairro nobre de São Paulo.
Passaram-se 15 anos. O que eles mais queriam era um filho, mas este nunca veio, fizeram vários tratamentos, queriam um filho para completar o ciclo de suas vidas, poder compartilhar todas as suas alegrias, dar tudo de bom e do melhor. Talvez Deus não quizesse assim. Passaram-se 20 anos e o sonho se realizou, Sofia estava grávida. Sofia tivera a melhor gravidez, suas amigas a invejavam, pois sofreram demais quando ficaram grávidas. Passou pelos melhores médicos. Parou de trabalhar para curtir aquele momento único de ter um ser dentro do seu ventre, estava gerando uma nova vida, a vida que compartilharia todas as alegrias e conquistas do casal. Era maravilhoso. Tudo estava dando certo.
Toda noite Rogério chegava com um ramalhete de flores, sentava-se ao lado de Sofia para acariciar sua barriga, sempre brincava que estava fazendo cócegas nos pezinhos do bebê, era muito divertido. Já sabiam que era um menino, se chamaria Victor. Victor por causa de todas as realizações e vitórias conquistadas pelo casal. As amigas de Sofia sempre perguntavam para ela. que homem era aquele? Não existiria outro igual a ele no mundo, nem nos próximos 20 séculos.
Sofia estava só em casa quando sentiu a primeira contração. Era a hora, chegou o momento que ela mais esperava. Pôs em prática tudo aquilo que aprendeu no pré-natal. A mala com roupas para ela e o bebê já estava pronta. Primeiro ligou para Rogério, caixa postal, ele havia dito que estaria em uma reunião importantíssima. Ligou para o seu médico. Em 10 minutos uma ambulância estacionava em sua garagem. Pegou sua bolsa e o celular. Ligaria da ambulância para o seu amado, a mala o enfermeiro havia levado. Tentou mais uma, duas, três vezes, teve outra contração. Ela não acreditava. No dia mais importante de suas vidas ele não estaria presente. Tentou novamente, desta vez para a secretária que no segundo toque atendeu, bem na hora de outra contração. Mesmo assim Sofia pediu para ela interromper a reunião e a secretária, ouvindo os gritos de dor, não pensou duas vezes, abriu a porta da sala de reuniões sem bater, olhou para Rogério, não precisou dizer nada ele já havia entendido. Despediu-se da reunião largando tudo na mesa, pegou sua carteira e saiu em disparada.
Algo inesperado aconteceu, Sofia sentiu mais uma contração, mas essa era diferente, uma dor aguda seguida de um grito que assustou os enfermeiros dentro da ambulância. Sangue apareceu escorrendo por entre as pernas de Sofia. O enfermeiro pede então para o motorista ir mais rápido, já colocando uma agulha no braço de Sofia, mas o trânsito era infernal. Mudou o trajeto para sair do trânsito.
Rogério era quem tentava ligar para Sofia agora, mas ninguém atendia. Dentro da ambulância estavam preocupados com o estado dela, não dava para ela atender o celular. O trânsito também fez Rogério mudar o trajeto para o hospital. Com ruas livres acelerou seu carro. Não podia perder aquele momento. Mais uma tentativa de ligar para Sofia e na distração não viu o cruzamento chegar. Quando soltou o celular e olhou para frente era tarde demais. Acertou bem no meio de uma ambulância que vinha passando. A pancada foi tão forte que o carro e a ambulância se fundiram formando uma massa de metal retorcida. Várias pessoas se aglomeraram em volta do acidente. 15 minutos foi o tempo que tiveram que esperar pelo socorro. Ninguém podia fazer nada: Rogério estava preso nas ferragens, na ambulância nada se ouvia. O único som que se ouvia era de Rogério chamando por Sofia. Só os mais sádicos olhavam aquela cena sem nada sentir no coração. Os para-médicos chegaram. Havia duas equipes. Rogério já não tinha mais forças apenas balbuciava para o bombeiro que segurava uma de suas mãos que sua mulher estava dando a luz e ele tinha que chegar na maternidade, ela o esperava, ele já estava perdendo os sentidos, perdera muito sangue. Foi nessa hora que o bombeiro que cortava as ferragens e o para-medico se olharam. Não havia mais jeito.
Dentro da ambulância todos os esforços estavam voltados para manter os sinais vitais de Sofia, para pelo menos salvar o bebê. Isso mesmo Rogério bateu na ambulância em que estava Sofia. Rogério ainda preso nas ferragens e quase sem forças viu os bombeiros tirando uma maca da ambulância, sangue e lagrimas escorriam pelo seu rosto, era Sofia, a sua amada. Tentou dizer seu nome, mas não deu tempo, seus olhos se fecharam e seu coração parara de bater, sua respiração cessara. No hospital Sofia só teve tempo de sussurrar alguma coisa no ouvido da enfermeira e se foi. Tentaram de todas as formas reanimá-la, mas tudo em vão. O que podiam fazer era salvar o bebê.
Tudo que relatei aqui nesta carta consegui com os diários que minha mãe e meu pai deixaram junto com o império que eles construíram, e que herdei. Os relatos finais consegui com os sobreviventes da ambulância, bombeiros e para-médicos que participaram do resgate.
Meu nome é Victor tenho 15 anos, fui criando pela enfermeira que ouviu o pedido de minha mãe. Hoje estou aqui, deitado em uma cama de hospital com um câncer raro e em estagio terminal. Talvez ironia do destino? Trocaria tudo que meus pais deixaram para tê-los ao meu lado, apenas para segurar em minhas mãos.

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