quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sandro Jamir Erzinger - Retorno Mortal




A neblina espessa, tal como um espectro libertado do negro manto da noite, parecia querer envolver todo e qualquer corpo ao seu alcance.
Na calçada ouvia-se apenas o som dos sapatos de Elizabete, cujo som parecia ser absorvido juntamente com toda a paisagem, pelo branco nevoeiro que se avultava noite adentro.
Elizabete retornava de um sarau que fora prestigiar numa modesta casa que também servia de sede para o grupo de teatro que promovera o evento, que tinha como finalidade reunir parte dos artistas da cidade, para apresentarem seus trabalhos. Seus longos e louros cabelos, desenvolviam um ballet ao sabor de uma suave brisa que parecia querer fazer parte daquela hora mórbida.
Nas ruas as sombras das árvores e edifícios projetavam-se nas calçadas desenhando traços e figuras das mais variadas formas.
Ao passar diante de um pequeno prédio de portas negras como ébano e figuras talhadas semelhantes à flores e dos mais diversos aspectos e tamanhos, ouviu uma voz sussurrada e trêmula, ordenando para que parasse. Parando abruptamente e voltando seu olhar para trás, viu um par de mãos saindo entre as sombras, segurando um revólver que apontava em sua direção - nem mais um passo moça, fique onde está. Petrificada pelo medo, Elizabete não conseguia falar uma só palavra, pois sua atenção estava para o pérfido instrumento, cujos contornos avultavam-se ainda mais ao ser envolvido pela neblina juntamente com uma fraca luz proveniente de um poste de iluminação pública.
Consciente da gravidade da situação e que sobretudo estava sozinha, Elizabete suplicava para que não a matasse, pois se tratando de dinheiro ela tinha a solução. - São as vozes, essas vozes dentro da minha cabeça, dizendo pra matar, matar, elas me deixam louco. . . - gritou o misterioso personagem que permanecia oculto na sombra.
Sentindo que suas chances de escapar com vida estavam reduzidas ao mínimo, Elizabete apenas chorava de joelhos, com as mãos no rosto, na esperança que tudo aquilo fosse apenas um devaneio, do qual sairia a qualquer momento, mas antes que qualquer outro pensamento passar-lhe na mente, ouve-se um grande estampido e um projétil perfura sua testa.
Abandonando as sombras, que serviram de esconderijo para o seu intento funesto, ele dirige-se até o corpo de Elizabete e retirando um estilete do bolso de sua calça, desenha um pentagrama na fronte de Elizabete, em torno do buraco de bala, formado por arranhões com a ponta de seu instrumento cortante, abandonando em seguida o corpo junto a uma árvore da calçada.
Seguiram-se dias, que a imprensa cobriu o assassinato e sendo uma incógnita a identidade do assassino, apelidaram-no de assassino do pentagrama, pois Elizabete não fora a primeira e na lógica criminalística das autoridades, não seria a última
Passara-se um mês, era uma noite extremamente fria e um homem de pele morena e baixa estatura, caminhava em passos lentos com mãos nos bolsos de seu sobretudo - parecia caminhar despreocupado pois as únicas companhias eram alguns mendigos que procuravam refúgio do frio na estação subterrânea do metrô.
Entretanto, de quando em quando algo parecia despertá-lo de suas divagações, algo como uma presença, ou alguém a chamá-lo, mas presumia ser fruto de sua imaginação. Mas subitamente sua atenção voltou-se para uma jovem loura que ajoelhada chorava próximo a uma coluna. Intrigado com sua súbita presença, queria chamá-la, mas antes que pudesse chamá-la, ela levantou-se e começou a caminhar em sua direção e para sua surpresa maior notou que seus pés não tocavam o chão e seu rosto denotava uma expressão de profunda tristeza. Pra aumentar ainda mais o terror, foi quando viu um pentagrama gravado em sua testa - não, não pode ser, você está morta, está morta. . . - gritava caminhando para trás, quando subitamente sentiu o chão faltar-lhe sob os pés, caindo em seguida sobre os trilhos do metrô.
Sua queda foi fatal, pois o impacto de sua cabeça sobre os trilhos do metrô, ceifou-lhe a vida instantaneamente. Concluída a vingança, o espectro foi dissipando-se tal como uma neblina. Restando apenas um corpo estirado sobre os trilhos, com a tatuagem de um pentagrama na palma de sua mão esquerda.
Sandro Jamir Erzinger - Solidão




O som do badalar do relógio da torre avisava que eram seis horas e Jamir preparava-se para deixar o escritório sem o menor cuidado de verificar se havia deixado alguma anotação importante sobre a mesa ou não, afinal cessara o seu expediente e a semana e não mais suportava olhar para a sua mesa.Ao sair da empresa nem mesmo esperou o elevador, rapidamente desceu pela escadaria de incêndio, afinal o que eram algumas dezenas de lances de escada para quem trabalhava durante todo o dia sentado? -indagou Jamir para si mesmo.
Na rua as pessoas pareciam caminhar cabisbaixas, mas para Jamir isso pouco importava, pois como se já não bastasse as contas pra pagar, a constante desvalorização da moeda que preocupava-lhe constantemente,teria que ir de ônibus para casa pois o conserto de seu carro não havia ficado pronto para o fim de semana. Após enfrentar um coletivo lotado de pessoas, que cutucavam-se mutuamente a procura de banco para sentar-se, finalmente chegara à seu destino.
Ao abrir a porta de seu pequeno apartamento olhou por alguns segundos a bagunça, pois a louça suja sobre a pia da cozinha os inúmeros litros de bebidas espalhados pelos cantos, juntamente com a roupa suja, denotavam um claro abandono, mas nada disso preocupava-lhe ,pois por que? Usar de capricho em seu dia a dia, se a sua vida estava uma bosta mesmo.
Após trocar de roupa, encheu um copo de conhaque, pegou uma carteira de cigarros e sentou-se em frente à sua máquina de escrever, mas não vinha-lhe nem mesmo uma sílaba dos poemas ou contos que costumava escrever quando sentia-se muito só ou chateado. Então, levantando-se abruptamente da cadeira começou a quebrar tudo o que encontrava a sua frente, pois o único sentimento presente em seu espírito era revolta; trabalhar para uma empresa da qual não gostava,o dinheiro estava fraco e pra ajudar havia perdido sua namorada a poucos dias atrás.Depois de quebrar um quadro de pintura abstrata que havia ganhado de um amigo seu, voltou a sentar-se em frente à sua máquina de escrever, para então abrir uma gaveta a sua direita, retirando em seguida uma seringa juntamente com ampolas de morfina e sem hesitar encheu a seringa com uma dose suficientemente letal para qualquer ser humano,injetando em seguida em sua veia braquial. Não demorou muito para sua visão tornar-se turva e lentamente deitou a cabeça sobre a máquina, deixando em seguida a seringa cair-lhe da mão, passaram-se alguns segundos e tudo voltou a ser silêncio.