sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Teresa Dáliva Malta - Uivando Secretamente Para a Lua


Quando os segundos se transformaram em horas já sentia aquele beijo, aquela boca que tanto me atraía. Como era leve, macia delicada...conseguia sentir o momento exato, o ápice, o doce e o amargo sabor, que se misturava loucamente em nossas bocas.
Entrei num abismo de emoção: borbulhava dentro de mim um desejo incalculável, um desejo sinistro e ao mesmo tempo empolgante. As emoções tornaram-se naquele exato momento uma via-láctea, um céu imenso e profundo, onde as estrelas dançavam para seduzir os belos planetas.
E aos poucos o calor invadia meu corpo, e eu sabia que o seu corpo me queria, sua mente curiosa e inocente tentava desvendar os meus segredos mais íntimos, e quando dei por mim senti com ferocidade sua mão segurar minha cintura, demonstrando que o seu desejo transpirava em seu corpo.
Mas as horas invertem-se em segundos, a magia pelo encanto tinha acabado, ficamos como estrelas a vagar ao céu, mas sabíamos que aquele beijo uivava secretamente para a lua, onde ninguém ousa escutar os cantos dos lobos; na linda noite de lua cheia, a qual testemunhou nosso crime.
Silvia Câmara - Cavernas




Procuro desdormir. Como um vaga-lume inquieto sucede-se a si próprio, assim eu, tento expulsar o silêncio amortecido de um corpo que jaz na sombra da lua vaga.
O vento, flutuando na incerteza de outra vaga, sacudindo as gelosias, acorda-me recitando trechos daquilo que poderia ser a voz do meu pensamento, versos que são relembrados pela minha memória que vai se aquecendo pela lembrança. Penso então no que tem sido a minha vida e assim, poderia filosofar por toda a eternidade, pois se pretendo mergulhar na minha alma, esbarro a meio caminho na consciência, portanto não posso ter uma idéia desavisada de mim.
Tudo o que me lembro é que há em mim uma memória involuntária, dos olhos, dos ouvidos, das mãos. Todos tão esplendidamente lotados de recordações, às vezes enevoadas, às vezes despertas. Ah! Mas o que posso fazer é evocar essas lembranças dos vastos palácios onde repousa a memória. Mergulhar nas suas cavernas e escancarar os portões que te fecharam, sésamo.
Outras vezes a minha caverna está na infância, no cheiro do mato, da flor distante recriada no tempo. Agora existe uma diferença: a descoberta é o contrário da recordação. Posso recitar em silêncio e olhar o vale que aquele mar abriu. Ir mais além e ouvir os sons das ondas e das gaivotas e ver o céu suspenso, sem gota alguma para despencar, cheio de silenciosas ermitagens. E se caísse uma única lágrima, traria um odor de silêncio e quietude.
Depois de certo tempo posso perceber que a cor da memória pode cambiar do marrom escuro de um móvel recém-envernizado ao bege-claro dos escritos guardados há muito tempo. Mas se não souber olhar bem dentro dessa espécie de porão, o que se verá serão sombras. É que através da névoa só se vê sombras. Mas na aurora, quando nasce o sol, como é lindo ver os botões das flores como olhinhos querendo enxergar o mundo através da neblina. Será que a felicidade reside em não esperar nada mais da vida do que aquilo que ela pode nos dar? Será? Mas não se pode ter dois eus, um encarregado da ventura e outro da desventura. Então, não quero mais ver esse sol de puro artifício que aparece nos meus mais encantados sonhos. E é por isso que desdurmo.