quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Hertha Silva - Lançar de Si


"Quero ser leve..."

Ela era enfática. Clamava por um esvaziamento. Livrar-se de sentimentos. Livrar-se de conhecimentos. Queria ser um bebê de vinte e poucos anos. Gargalhava tamanho absurdo. Mas o peso da existência era grande. E não se sentia capaz de suporta-lo. Indagava o nada. Enchia-se de nada. Porque se sentia um nada. Chorava. Ela tinha essa qualidade, sabia chorar. Profundamente.
Viver pode ser complicado para alguns. O excesso de interrogações gera algumas interpretações que podem nos fazer surtar. Seria simples apertar o botão automático e deixar ser levado. Simplesmente viver. Existir já é um pouco mais complicado.
Nossa menina era bela, esteticamente falando. Sorriso perfeito. Além de chorar ela sabia rir muito bem. Contagiante. Seu olhar era desafiante, engatilhado. Trazia doçura, mas era triste, vazio. Era profundo, parecia não olhar o mundo exterior, era alheia a esse, olhava para dentro. Distante.
Sarah.
As noites, quando sua única companhia era ela mesma, uma angústia a consumia. Dor. Contorcia-se em sua cama, se abraçava, posição de feto. Brigava com seus pensamentos, pensar assusta.
Pensava, pensava, pensava muito. Abstrações profundas, existenciais, isso a tornava alheia. Já quis mudar o mundo, mas agora só queria mudar a ela mesma. Sonhava. Vivia personagens. Doía acordar. Antitética. Sentia-se mal por não estar satisfeita. Aos olhos dos outros, tinha tudo para ser feliz. Mas tinha repulsa de tudo que a cercava. De suas regalias, do pseudoconforto, da estabilidade. Quantas obrigações isso lhe causava, invejava o vazio. Transbordava.
Mulher. Menina. Sarah. Vinte e dois anos.
Uma vida.
Vieram os novos amigos. As novas roupas. As novas músicas. Os novos livros. Novas para ela. Velhos para tantos.
Observando Sarah, começo a indagar sobre as motivações da vida, o seu significado. Será nada? Privo-me das mistificações.
(pausa)
(longa pausa)
Tudo é tão banal quando se indaga. Mas por acaso vivia. Por acaso tinha momentos de felicidade intensa. Como é bom rir de graça! Era desprendida. Gozava. Era amada. Amava. Soluçava. Amanhecia.
Cíclico. Ia para o trabalho. Dava o seu melhor, produzia e multiplicava. Interagia, cansava, mas se sentia ativa. Depois faculdade; absorvia, indagava, interpretava, aceitava. "Cara maluco esse Schopenhauer!" Fartava.
A luz do sol lhe fazia bem. Tanta claridade lhe escurecia. Ocultava-se. Encobria seus desatinos noturnos. Frustrações e devaneios. Executando suas obrigações libertava-se de seu ser dialético. Refugio. Mas aquele olhar... Um bom observador logo perceberia as máscaras. Singela criatura. Só enganava a ela mesma. Não era feliz, mesmo porque não sabia identificar isso. Nem sabia o que era isso. Também não era satisfeita. Mas naquele período do dia, quando estava atolada com seus compromissos, naquele momento não se sentia infeliz, também não se sentia feliz. Não sentia. Isso era bom! Ela se deixava levar. Ocupava-se dos outros.
Mas o dia sempre acabava. E tinha que voltar para casa. Família. Aquelas pessoas lhe atingiam. Os outros eram apenas os outros. Aqueles não, refletia ela. Isso a perturbava. Procurava ser sociável, a grande custo, mas se relacionava, com certa distância, mas era o máximo que conseguia. Mesquinhos, fúteis e inúteis, conceito de Sarah. Estanha, egoísta e temperamental, conceito da família. Suportavam-se.
Porta trancada. Luz baixa. Música baixa. Cabeça baixa. Aquela hora se encontrava com ela mesma. Dolorido. Dor no peito. Nó na garganta. Chorava. Motivo, nem ela sabia. Mas chorava por nada. Pelo vazio que sentia. Mas também por está farta. Farta de nada. As coisas para ela não tinham significado. Adormecia encolhida no seu universo particular, na sua bolha. Ás sete tinha que levantar e viver, viver por viver. Mas Sarah só vivia porque tinha esperança. Esperança do que? Ela também não sabia. Talvez esperança de um dia ter alguma resposta, ou de um dia não querer mais repostas. Isso lhe motivava.

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